O núncio apostólico em Angola e São Tomé considerou hoje, em Luanda, que a utilização das redes sociais constitui uma ocasião para “favorecer o encontro”, mas também “pode potenciar o auto-isolamento como uma teia de aranha”. Não foi bem a descoberta da pólvora mas esteve perto.
Petar Rajic, que falava hoje, em Luanda, durante uma conferência de imprensa de apresentação da mensagem do Papa Francisco por ocasião da 53ª Jornada Mundial das Comunicações Sociais 2019, sublinhou que as redes sociais devem ser um instrumento para libertar e proteger.
“A rede que queremos é uma rede criada não para aprisionar, mas para libertar e para proteger uma comunhão de pessoas livres, uma rede que permite construir pontes, uma sólida cultura do encontro, na verdade, na justiça e no respeito”, afirmou, acrescentando: “Reprovando, veementemente, aqueles que são os muros separadores da sã convivência”.
A Jornada Mundial das Comunicações Sociais celebra-se este ano a 2 de Junho sob o lema “Somos Membros uns dos Outros: das Comunidades de Redes Sociais à Comunidade Humana”.
Para o arcebispo católico, a iniciativa insta todos à “reflexão sobre os desafios do contexto comunicativo actual e o anseio do ser humano que não quer permanecer na sua própria solidão”.
“As Metáforas da Rede e da Comunidade”, “Somos Membros uns dos Outros” e “Do “Like” ao Amém” são os três eixos centrais da mensagem do Papa Francisco em alusão à data.
Segundo o núncio apostólico de Angola e São Tomé, o líder da Igreja Católica sublinha na mensagem que “os jovens são os mais expostos à ilusão de pensar que as redes sociais satisfazem completamente no plano relacional”.
“Chega-se assim ao perigoso fenómeno dos jovens que se convertem em ‘eremitas sociais’, jovens que evitam o contacto social, com o consequente risco de se afastarem completamente da sociedade”, realçou.
Diante deste cenário, observou, “pode ser útil voltar a reflectir sobre a metáfora da rede que foi proposta no princípio como fundamento da internet, para redescobrir as suas potencialidades positivas”.
O representante do Vaticano em Angola adiantou igualmente que o Papa Francisco refere no documento sobre a capacidade de comunicação das pessoas em comunidade, assinalando que “ela tem o seu fundamento na comunhão de amor entre as pessoas divinas”.
Acrescenta que, além disso, “comunidades de redes sociais não são automaticamente sinónimo de comunidade e muitas vezes permanecem simplesmente grupos de indivíduos que se reconhecem através de interesses ou preocupações caracterizadas por laços fracos ou psicoafectivos”.
De acordo com Petar Rajic, o Papa destaca também que o uso das redes sociais “é complementar ao encontro face a face”.
Referiu que no contexto de Angola como em todo os lugares do mundo, “é importante que o uso da rede e dos meios de comunicação nos ajudem assertivamente para que nos aproximemos mais uns aos outros”.
“Não só no ‘cyberspace’, mas sim no contexto do nosso dia-a-dia, num relacionamento baseado na amizade sincera, como pessoas que se respeitam e se amam uns aos outros de coração”, assinalou.
As celebrações da Jornada Mundial das Comunicações Sociais 2019, em Angola, tiveram início hoje e estendem-se até 2 de Junho, estando previstas várias actividades.
O que disse o Papa Francisco
Amensagem divulgada pelo líder da Igreja Católica apela a que as redes sociais promovam o “encontro com os outros” em vez de contribuírem para o sentimento “narcisista” e “auto-isolamento”.
No dia 24 de Janeiro de 2019, o Papa Francisco defendeu que as redes sociais só representarão uma oportunidade se as pessoas souberem vivenciar na prática as ligações feitas através das tecnologias, passando do “like” ao ámen.
“Deus não é solidão, mas Comunhão; é amor e, consequentemente, comunicação, porque o amor sempre comunica. (…) Só sou verdadeiramente humano se me relacionar com os outros”, disse o Papa. Por isso, adianta, as redes sociais só serão uma oportunidade se se souber vivenciar na prática as conexões feitas através da tecnologia.
“Esta é a rede que queremos: uma rede feita não para capturar, mas para libertar, para preservar uma comunhão de pessoas livres. A própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos likes, mas no amém com que cada um adere ao corpo de Cristo, acolhendo os outros.”
No texto, o Papa alerta que a comunidade de redes sociais não é, automaticamente, sinónimo de comunidade e alertou para os riscos que correm os mais jovens: “É necessário reconhecer que se, por um lado, as redes sociais servem para nos ligarmos melhor, fazendo-nos encontrar e ajudar uns aos outros, por outro, prestam-se também a um uso manipulador dos dados pessoais, visando obter vantagens no plano político ou económico, sem o devido respeito pela pessoa e seus direitos. As estatísticas relativas aos mais jovens revelam que um em cada quatro adolescentes está envolvido em episódios de cyberbullying”, disse.
A rede, explica Francisco, é uma oportunidade para promover o encontro com os outros, mas pode também agravar o auto-isolamento, como uma teia de aranha capaz de capturar.
“Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a social web possa satisfazê-los completamente a nível relacional, até se chegar ao perigoso fenómeno dos jovens ‘eremitas sociais’, que correm o risco de se alhear totalmente da sociedade. Esta dinâmica dramática manifesta uma grave ruptura no tecido relacional da sociedade, uma laceração que não podemos ignorar”, refere.
Na complexidade deste cenário, escreve o Papa, pode ser útil voltar a reflectir sobre a metáfora da rede, fundamento da internet para ajudar a descobrir as suas potencialidades positivas.
“A figura da rede convida-nos a reflectir sobre a multiplicidade de percursos e nós que, na falta de um centro, uma estrutura de tipo hierárquico, uma organização de tipo vertical, asseguram a sua consistência. A rede funciona graças à comparticipação de todos os elementos”, disse.
No cenário actual, acrescenta o Papa Francisco, salta aos olhos de todos que a comunidade de redes sociais não seja, automaticamente, sinónimo de comunidade.
“No melhor dos casos, tais comunidades conseguem dar provas de coesão e solidariedade, mas frequentemente permanecem agregados apenas indivíduos que se reconhecem em torno de interesses ou argumentos caracterizados por vínculos frágeis. Além disso, na social web, muitas vezes a identidade funda-se na contraposição ao outro, à pessoa estranha ao grupo: define-se mais a partir daquilo que divide do que daquilo que une, dando espaço à suspeita e à explosão de todo o tipo de preconceito (étnico, sexual, religioso, e outros) “, destacou.
Para o Papa, esta tendência alimenta grupos que excluem a heterogeneidade, alimentam no próprio ambiente digital um individualismo desenfreado, acabando às vezes por fomentar espirais de ódio.
“E, assim, aquela que deveria ser uma janela aberta para o mundo, torna-se uma vitrina onde se exibe o próprio narcisismo”, disse.
O Papa explicou ainda que desde que se tornou possível dispor da internet, a igreja tem sempre procurado que o seu uso sirva o encontro das pessoas e a solidariedade entre todos.
Com a mensagem agora divulgada o papa diz que convida à reflexão “sobre o fundamento e a importância do nosso ser em relação e descobrir, nos vastos desafios do actual panorama comunicativo, o desejo que o homem tem de não ficar encerrado a própria solidão”.
Folha 8 com Lusa
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